O petróleo, enquanto se mantiver como importante insumo energético global, deve ser encarado como recurso estratégico, seja para prover a segurança energética de dado país, seja para ser um instrumento de poder na geopolítica global. Esse é o pressuposto que organiza a discussão proposta nos textos da 5ª edição da Revista Panorama Internacional, lançada nesta terça-feira, 6, pela Fundação de Economia e Estatística, com a presença de todos os autores, pesquisadores da FEE.
A edição organizou o texto dos pesquisadores numa lógica do âmbito mais global para o local. Na divulgação desta manhã, os pesquisadores Cecília Hoff e César Conceição apresentaram e debateram seus respectivos textos que enfocam o plano nacional e local.
No plano nacional, a economista Cecília Hoff procura entender a relevância da Petrobras para a economia brasileira, apesar da crise econômica no País. No texto “Petrobras ainda importa para a economia brasileira”, Cecília analisa como a estatal passou de uma posição de fiadora do futuro do País para “a de representante destacada do conjunto de expectativas frustradas que acompanhou o fim do ciclo de crescimento econômico alcançado no período 2004-10”. De acordo com a economista, a conjuntura de euforia da primeira década dos anos 2000 propiciou a consecução de projetos que, à luz do cenário atual, se revelaram irrealistas quanto aos prazos, custos e premissas de longo prazo, o que somado à queda do preço do petróleo e aos escândalos de corrupção acabaram por fragilizar financeiramente a estatal. “O que precisamos evitar é que uma visão excessivamente otimista do passado, se transforme numa excessivamente pessimista no presente”, pondera a economista. Para ela, apesar da crise, a estatal ainda importa, do ponto de vista econômico e estratégico, para o desenvolvimento brasileiro. “A Petrobras sozinha representa 7% de todo investimento brasileiro. Se excluirmos a construção civil residencial, chega a a10%, ou seja, apesar de ter diminuído, ainda é muito grande”. Para Cecília, há um grande desafio em conciliar estratégias de mercado e de Estado para a Petrobras. “Precisamos fugir do debate maniqueísta de que a política anterior estava errada e que a atual é entreguista”, opina.
O olhar para o Rio Grande do Sul está no texto dos economistas Cesar S. Conceição e Roberto P. da Rocha sobre a política de investimento da Petrobras e o impacto no setor de estaleiros, na região de Rio Grande. César Conceição adverte que a indústria naval e offshore é uma indústria complexa que engloba um conjunto de atividades encadeadas em um período prolongado de tempo para o planejamento e montagem, e embora seja considerada madura, permanece em processo de evolução, muito associado a ganhos de produtividade. “O investimento competitivo no setor naval e offshore — construção de estaleiros, desenvolvimento de empresas de engenharia e construção e de fornecedores locais — exige capital elevado, com longo prazo de maturação, bem como uma demanda relativamente estável por um prazo longo”, destacam os pesquisadores. E no Brasil, foi o movimento de evolução da indústria petrolífera que permitiu importantes avanços no volume de investimentos e na modernização da indústria nacional de equipamentos de produção offshore . “Uma importante inovação que emergiu dessa retomada foi o surgimento dos novos estaleiros, planejados e construídos a partir de encomendas da Petrobras. O estaleiro de Rio Grande é um exemplo importante da indústria offshore. Seu sucesso motivou posterior adensamento industrial em seu entorno, ainda em estágio inicial, além da consolidada desconcentração industrial naval e offshore brasileira”, afirmam os pesquisadores. César dimensiona a relevância que o setor naval foi constituindo para o Estado. “Em 2007, o setor naval era 0,8% da indústria gaúcha. Em 2013, 2,1%, principalmente a construção de embarcações, concentrada em Rio Grande”, explica
O global e o latino-americano
Para enfrentar um tema com tanta relevância e complexidades, a publicação buscou abordagens mais globais. O ponto de partida é o texto de Ricardo F. Leães, pesquisador em Relações Internacionais da FEE, acerca dos recentes fluxos globais de petróleo e da estratégia de alguns dos atores mais sublinhados. Ricardo observa a queda do preço da commodity chamando atenção para a extensão do fenômeno, “que se apresenta mais multifacetado, com origens que passam ao largo da lei da oferta e da procura”. Segundo o pesquisador, o principal fator de transformação do mercado petrolífero nos últimos anos diz respeito ao crescimento da exploração dos recursos não convencionais, os quais ensejaram a recuperação da produção energética nos Estados Unidos e o crescimento da exploração de petróleo no Canadá, uma situação considerada extraordinária porque reverte um padrão de crescente dependência energética norte-americana. “À medida que avançava a demanda chinesa por recursos energéticos, recrudescia a sensação de que faltaria petróleo para os Estados Unidos em algum momento, o que naturalmente pressionava o preço e as especulações”, explica. Ricardo mostra os desdobramentos dessa nova realidade e a repercussão em outros países estratégicos na disputa e oferta do produto como Rússia, China, Arábia Saudita e Irã.
No plano latino-americano, o texto do economista Tomás Fiori faz um exame comparativo dos regimes de propriedade do petróleo entre quatro países: Argentina, Brasil, México e Venezuela. Fiori aborda uma questão recorrente nas discussões sobre os regimes de propriedade de recursos naturais: o controle público ou privado é uma escolha ideológica? Para o pesquisador, a resposta afirmativa não se trata de mera decisão econômica sobre a forma mais desejável de organizar a produção social, “e sim como resultado lógico dos interesses políticos, especialmente em regiões produtoras como a América Latina”. O pesquisador aponta que quanto maior o potencial de geração de renda, maior é o incentivo para a sua “busca” pelos agentes privados ou públicos, tanto para o ganho pessoal quanto para a canalização clientelista e aponta pelo menos quatro elementos que geram esse comportamento: “a própria dotação dos recursos; a imobilidade dos ativos do setor, que os subjuga mais facilmente à taxação ou nacionalização; o nível de heterogeneidade das clivagens sociais, que está associado ao “custo de repressão” ao excluir essas demandas das escolhas políticas finais; e a “decisividade” política conferida pelo arranjo constitucional sobre os mecanismos de reforma legal”. Fiori concluiu que não se pode falar em um modelo adequado e universal para a propriedade dos recursos energéticos.
À tarde essas questões serão retomadas com a palestra “As disputas globais pelo petróleo e seus efeitos no Brasil”, a cargo do professor de Relações Internacionais da Unisinos, Diego Pautasso, que atua nas áreas de pesquisa de Relações Internacionais e Geografia Política, sobretudo em temas como BRICS, China e relações Sul-Sul, e do pesquisador da FEE, Ricardo Leães, com mediação do pesquisador Fernando Lara.
O evento será transmitido ao vivo pelo site da FEE a partir das 14 horas.
A 5ª Edição da Panorama Internacional está disponível para download também no site da FEE
Sandra Bitencourt- Jornalista