Em palestra realizada na FEE na tarde desta terça-feira, 8, a professora do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFRGS Denise Jardim debateu a governamentalidade das imigrações. O evento integrou o lançamento da terceira edição do Panorama Internacional FEE, divulgada hoje com o tema das migrações internacionais.
O pesquisador em Sociologia da FEE Guilherme Xavier Sobrinho, mediador da palestra, destaca a importância de a FEE receber o olhar da antropologia, o que contribui para a compreensão de diversas áreas de pesquisa da própria Fundação, como a de políticas públicas, relações internacionais e desenvolvimento regional. “Essa pluralização e integração de áreas é fundamental. O Panorama Internacional é um dos tantos exemplos desse ambiente que se renovou muito em termos disciplinares e analíticos nos últimos anos na FEE”, aponta.
Em entrevista à jornalista Gisele Reginato, da Imprensa FEE, a pesquisadora Denise Jardim explica o conceito de governamentalidade, avalia os discursos que hoje não prestam atenção às questões dos imigrantes e debate a percepção sobre quando os deslocamentos se convertem em “problema imigratório”.
Imprensa FEE – Como você explica o conceito de governamentalidade?
O termo governamentalidade não pode ser confundido com governança. Sou antropóloga e a ideia de trabalhar a governamentalidade tem a ver com o fato de a gente ter uma observação sobre tecnologias de controle de população, formas de gerenciamento da população, a própria invenção do que é tendência da população, a leitura de dados estatísticos, que fazem parte de tecnologias de leitura do mundo social. Isso tem uma proximidade muito maior com este termo, que vem de uma trajetória dos estudos de Michel Foucault, numa coletânea de aulas que ele tem dos anos 1970, em que ele busca entender como esses dispositivos de disciplinamento da população envolvem várias tecnologias. Então é importante diferenciar de governança, porque governança ainda entende que a vida social pode ser organizada pelo aparato do Estado, ela é sistemática. Já nos termos de Foucault e de Pierre Bourdieu, nós não podemos mais pensar no Estado como uma coisa descorporificada das pessoas, que são os agentes que empreendem essas tecnologias e, entre esses agentes, nós próprios os cientistas sociais, que fazemos leituras ditas como a realidade social. Então de alguma maneira a gente está dentro desse jogo de leituras do que é o mundo e para que lado devemos olhar mais ou mesmo visibilizar mais como problema social.
E pensar nessa leitura da realidade social é fundamental quando estamos falando de imigrações?
Sim. Ou seja, como vamos ler os dados e, como leitores e cientistas sociais, como estamos coparticipando dessa chamada de: prestem atenção nesse segmento e não no outro porque esse é um problema social e o outro não é, já está integrado à sociedade. Então eu queria chamar atenção que é nossa responsabilidade também analisar essas áreas de hipervisibilização ou de abandono.
Imprensa FEE – Você se refere a que tipos de discursos? Os do campo acadêmico, da imprensa ou de quais espaços?
Meu foco hoje é pensar no mundo acadêmico, porque de fato a gente não consegue ter, digamos, uma eficiência tal de chegar na mídia e dizer: olha, vocês estão tratando errado a questão do sofrimento dos refugiados, vocês devem escutar o que os refugiados estão dizendo. Então, como antropóloga e pesquisadora, estou pensando muito mais na instrumentalização para que as pessoas não naturalizem determinados temas, mas que elas sejam sensíveis a vasculhar as áreas de invisibilidade – o que o Boaventura de Sousa Santos chamaria de uma sociologia das ausências. Ou seja, para que lado a gente não está olhando e que o mundo tem um certo tipo de conflito e sofrimento? São coisas que não estão na ordem do dia da mídia ou na ordem do dia da política. O campo acadêmico tem essa liberdade de vasculhar aquilo que é invisibilizado pelos grandes discursos.
Imprensa FEE – E, na sua avaliação, o que hoje está mais invisível nesse discurso hegemônico?
Eu acho que os discursos hegemônicos estão nutrindo muitas coisas a respeito de um imigrante genérico e um imigrante novo e prestando atenção nas pessoas recém-chegadas como um problema numericamente, mas não estão conversando com os novos imigrantes, escutando o que os novos migrantes têm a dizer sobre seus enfrentamentos no Brasil. Então nosso modo de escuta ainda é “plotá-los” no mapa e não escutar suas desventuras no Brasil e eu acho que isso é uma coisa importante de ser feita.
Imprensa FEE – Se fosse feita essa escuta, o que agregaria à compreensão da sociedade?
Acho que agregaria em vários sentidos, especialmente em entender melhor nosso aparato jurídico-administrativo e aspectos que dizem respeito ao Sistema Único de Saúde. […] Quando a gente escuta bem o olhar dos imigrantes, a gente aprende não só sobre eles, mas sim sobre como funciona na prática muitas coisas no mundo brasileiro mais corriqueiro, especialmente a assistência social.
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Confira as fotos da divulgação. Saiba mais sobre o tema das migrações globais no Panorama Internacional FEE.
Gisele Reginato – Jornalista