“Ninguém exerce direitos que não conhece”, com essa afirmação Márcia Soares, oficial de projetos da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, explicou o objetivo de uma ação pioneira na formação, empoderamento e promoção de direitos das empregadas domésticas, que começa a ser implementada no RS e vai contar com o suporte dos dados produzidos pela pesquisa de Emprego e Desemprego da FEE, DIEESE e FGTAS. O projeto piloto busca criar uma metodologia que fortaleça as categorias do emprego doméstico, potencializando a mobilização a fim de garantir o direito à organização sindical. “É um projeto inédito porque todo o trabalho será financiado com recursos oriundos de uma ação julgada pelo Tribunal do Trabalho envolvendo uma questão de direito à organização sindical. A multa à empresa condenada foi justamente revertida para que pudéssemos construir este projeto novo, sem precedentes, envolvendo o direito das trabalhadoras domésticas”, destaca Márcia. A primeira reunião para levar adiante o projeto foi realizada nesta sexta-feira, 14, no TRT-4ª Região, com o sentido de apresentar parceiros e constituir uma rede de apoio. Estiveram presentes representantes da OIT, TRT, Ministério Público do Trabalho,FEE, CUT, Sindicato dos Bancários e das ONGs Thêmis e Centro Ecumênico de Capacitação e Assessoria.
Para a assessora de projetos especiais do TRT, Juíza Andrea Nocchi, o Tribunal deve ser a porta de entrada para questões sociais, já que existe uma legislação que não se consegue fazer cumprir plenamente no caso do emprego doméstico. A organização das mulheres dessa categoria esbarra na enorme dificuldade de mobilização, negociação e reconhecimento de seus direitos, dentre eles a formalização e regularização sindical. Por isso, destaca Márcia Soares, os dados trazidos pela FEE são muito relevantes. “Precisamos compreender qual o perfil dessas mulheres, qual o quadro de persistência das desigualdades. A OIT tem um levantamento, mas os dados precisam ser atualizados. O estudo que a FEE nos apresenta nos traz muitas revelações e nos dá muitas ideias”.
A economista da FEE Iracema Castelo Branco apresentou os principais aspectos detectados pelo Boletim Especial da PED sobre o emprego doméstico em 2015, ano da regulamentação da PEC das Domésticas (Lei Complementar 150). As mulheres são maioria no emprego doméstico, representando mais de 96% dos ocupados no segmento, 47,9% dessas mulheres tem carteira assinada, 47% são cõnjuges e 40% são chefes de família. Segundo Iracema, a partir de 2010 o emprego sem carteira assinada começou a reduzir na RMPA. Uma condição mais confortável que no resto do país. “As desigualdades embora existam e persistam, são um tanto menores aqui que em outras regiões do país. Na RMPA, temos um mercado mais estruturado e as relações um pouco mais saudáveis, mas os desafios são ainda complexos”, complementa Virgínia Donoso, economista do DIEESE.
De acordo com os dados, o emprego doméstico feminino apresentou elevação no ano passado: mais 2 mil ocupadas na comparação com 2014, totalizando 88 mil trabalhadoras contratadas com ou sem carteira de trabalho assinada, ou trabalhando como diaristas. O aumento do contingente de domésticas com carteira assinada em 2015 foi de 5,6%, o que representa mais duas mil empregadas com carteira. Ainda sobre o perfil da empregada doméstica na RMPA, as mulheres não negras representam 79,2% do total de trabalhadoras, ou seja, as negras chegam a 20% do contingente de empregadas, quando na população o número de mulheres negras está em torno de 13%; quase metade das trabalhadoras possui o Ensino Fundamental incompleto e 77,2% delas têm 40 anos ou mais. “Percebemos que as empregadas domésticas estão envelhecendo na função, a cada ano aumenta a idade média, nos levando a entender que quem inicia no emprego doméstico, dificilmente consegue migrar para outras ocupações”, comenta Iracema. Outra preocupação é o alto índice das mulheres que não contribui para a Previdência Social, principalmente entre as sem carteira e as diaristas. As mensalistas sem carteira assinada são as que menos contribuem para a Previdência (81,8%). Os direitos previdenciários e trabalhistas são um dos temas abordados nos cursos de formação que estão sendo desenvolvidos no projeto piloto em São Leopoldo, com atenção a 26 mulheres que deverão multiplicar os conhecimentos nas suas comunidades. Já foram desenvolvidos os primeiros módulos sobre feminismo, raça, gênero e classe. Ainda será ministrada formação para o sindicalismo e assim estimulada a organização sindical.Uma nova reunião dos parceiros foi agendada para o próximo mês.
Sandra Bitencourt- Jornalista