Comparando com os últimos três anos, desde 1901 os dados do Produto Interno Bruto (PIB) do Rio Grande do Sul são os menores registrados. Ou seja, nunca houve período igual com a mesma magnitude recessiva. As complexidades conjunturais e estruturais são diversas e exigem a geração de informação e análise. Essa tem sido a missão da Fundação de Economia e Estatística e, mais uma vez, esse acervo de conhecimento sobre o Estado está a serviço da busca de soluções. Assim o diretor técnico da FEE, Martinho Lazzari, justificou a importância do painel “A economia gaúcha no contexto da crise”, promovido pela Fundação nesta terça, 15, em comemoração ao dia do economista, ocorrido no último domingo.
Com o auditório lotado e transmissão online ao vivo, quatro economistas da FEE, todos doutores em economia, abordaram e debateram com a plateia diversos aspectos referentes à condição econômica do Estado, entraves e desafios para seu desenvolvimento.
Jefferson Colombo abordou o tema A economia do RS no atual ciclo recessivo: já chegamos ao fundo do poço? Para responder a questão, o economista fez um exercício para identificar picos e vales recessivos na economia gaúcha, aplicando o algoritmo bry-Boschan e utilizando o Índice de Atividade Econômica Regional (IBCR), divulgado mensalmente para as cinco regiões geográficas e treze unidades da federação, como um indicador complementar ao PIB. O pesquisador mostrou que em 2013 a economia brasileira encontrava-se em expansão, mas a partir do 3º trimestre, São Paulo foi o primeiro estado a registrar um movimento recessivo. “Os estados industrializados foram os primeiros a entrar em recessão. No quarto semestre de 2013, o RS começa a dar sinais de queda e em 2014 é registrado o crescimento zero. Essa ideia mostra bem que a recessão começa no setor industrial, nos estados onde participação da indústria de transformação é maior”, destaca Colombo. O exercício analítico do economista mostra que em 2016 há um evento importante para a economia gaúcha, que é a supersafra, o que ajuda a entender que possivelmente nesse momento começaria uma lenta reversão. “A resposta da questão proposta, se atingimos o fundo, é que possivelmente sim. Pelo algoritmo utilizado, possivelmente as 13 unidades federativas observadas, incluindo o RS, já teriam atingido o fundo do poço. Do ponto de vista cíclico, estamos em período de expansão. Mas é importante salientar que essa recuperação deve ser lenta e irregular”, alerta. O pesquisador ainda destaca que há uma assimetria um tanto perversa nos riscos futuros: “as surpresas negativas, geradas nas esferas política e econômica, são mais prováveis e com maior impacto do que supostas surpresas positivas. A gente vem de uma recessão que durou 40 meses e estamos apenas começando a sair dela. Mas tem uma recuperação em andamento, com uma difusão em boa parte dos segmentos”, finaliza.
“A economia gaúcha no cenário nacional: há perda de dinamismo?” foi a questão proposta pela economista Cecília Hoff. A pesquisadora iniciou a palestra destacando que considera a ocorrência de três crises: a conjuntural, relacionada com a recessão brasileira, a fiscal, agravada pela recessão, porém com características estruturais, e a de perda do dinamismo. Esse terceiro item, a pesquisadora apresenta como uma indagação. Haveria uma crise mais profunda de perda do dinamismo da economia gaúcha no cenário nacional? Para interpretar algumas respostas, Cecília apresenta distintos argumentos e faz lembrar que a percepção de crise e de empobrecimento do Estado remonta aos anos 60. “O RS acompanha em geral o PIB nacional, com alguns descolamentos em tempos de estiagem e supersafra, mas tem especificidades, como sua formação histórica, características e localização”. Em termos de localização, por exemplo, acessar a economia nacional é mais difícil, mas quando o objetivo é o mercado externo, aí nossa posição geográfica passa a ser interessante”, explica. Observando o mais recente ciclo da economia gaúcha, já que o modelo sustentado pelo agronegócio e as exportações entra em xeque nos anos 90, a pesquisadora destaca o crescimento dos setores automotivo, de máquinas e equipamentos, transporte e produtos de metal. Perdem lugar na participação nacional (2002 e 2014), setores como alimentos, químicos, couro e calçados e fumo. “O processo de internacionalização das empresas aproveitou vantagens de localização e capacitação pré-existente (como mão de obra e outras estruturas), além de investimentos estatais (como no caso do Polo Naval). No caso das indústrias mais tradicionais, que perderam espaço, o tipo de competição deverá se dar por nichos de especialização e valor adicionado. O setor encolhe, não deixa de existir, mas requer adaptação”, defende. Para a pesquisadora as perspectivas de um novo ciclo de crescimento nacional incluem investimentos em infraestrutura, exploração de petróleo e gás e o agronegócio. “Se for por aí o novo ciclo, nesses três eixos o RS está bem posicionado. Resta ver quando e em que ritmo esse novo ciclo acontece”.
O economista Liderau dos Santos Marques Jr. abordou a perspectiva “A saída da crise financeira é disciplina fiscal”. O pesquisador propôs revisitar conceitos vinculados ao ajuste fiscal. “Resumidamente seria a ideia básica de não gastar mais do que o arrecadado e não poder se endividar indefinidamente. Se isso não ocorrer, haverá a necessidade de ajuste fiscal”, resumiu. De acordo com o economista, o RS foi um dos últimos estados a gerar superávit primário (apenas em 2004). “As metas fiscais nunca foram atingidas, mas a partir de 2011, tem início um processo maior de deterioração fiscal. A despesa primária cresce mais que a receita primária e ambas crescem mais que a inflação. Em 2016, o Estado volta a uma situação de ajuste fiscal, mas neste ano o quadro piora novamente” . De acordo com o economista, há questões conjunturais e estruturais que explicam a dificuldade de impor disciplina fiscal. “As questões conjunturais incluem recessão econômica e ausência de um secretário da Fazenda forte. Já entre as questões estruturais, há o populismo econômico e a falta de altruísmo entre as gerações”. Liderau enumerou as iniciativas políticas para renegociação das dívidas dos Estados (leis complementares 148, 151,156 e 159), mas destaca que no seu entendimento só haveria uma saída para a situação que vem se agravando: “retomar a trajetória de superávits primários, observando as metas fiscais na fase de execução orçamentária”, defende.
O tema “RS e a questão regional frente aos dilemas federativos” foi abordado pelo economista Tomás Fiori. O pesquisador procurou desvendar o que , segundo ele, é uma falsa dicotomia reiteradamente presente no debate público, de que o oposto de responsabilidade fiscal seria a irresponsabilidade. “Há um grupo bem expressivo de economistas que entende que embora se deva fazer a gestão dos recursos públicos com parcimônia, cortar a qualquer custo, passar a régua indistintamente no orçamento, é na verdade a atitude mais irresponsável, no sentido popular do termo”, adverte. Pela concepção do economista, a confusão e a dificuldade de enfrentar esse debate, tem a ver com o fato dos economistas terem capturado a discussão sobre as questões federalistas, sendo que estas são disputas marcadamente políticas. “Os economistas em sua maioria não reconhecem que a história da organização federalista é muito mais política do que econômica. O labirinto fiscalista, de arranjos que descambam para a guerra fiscal não tem nada de novo. É uma disputa permeada de tensões e quedas de braço, com ciclos de concentração e desconcentração, com distribuição nem sempre equitativa de responsabilidades e poderes nas diferentes regiões do país”, argumenta. Para Fiori, haveria um federalismo esquizofrênico de descentralização política fiscal e administrativa. “Foi permitido que as administrações locais se responsabilizassem pelos serviços prestados, no entanto, não há o repasse respectivo dos recursos. Há uma disputa política permanente, que não envolve apenas nossa racionalidade econômica, mas requer queda de braço e articulação com outros Estados”, destaca. O economista reforça sua visão mostrando que regiões como o centro-oeste, com características econômicas semelhantes ao do RS, conquistam mais recursos federais. “O que eles fazem que nós não estamos fazendo? O país não vai olhar para nós pela nossa eficiência econômica. Já somos eficientes. Estamos jogando mal o jogo, inclusive porque estamos abrindo mão da nossa inteligência”, critica.
Fiori dá como exemplo a compensação que deveria ser garantida pela Lei Kandir. “Um montante de 8 bilhões de reais por ano deveria ser devolvido ao RS. Não recebemos nem 10% disso. Com esse recurso garantido, não haveria necessidade de toda esta discussão, nem muito menos de pensar em desmontar estruturas importantes para o Estado”.
Sandra Bitencourt- Jornalista