Nesta quarta-feira (14), a Fundação de Economia e Estatística divulgou a Carta de Conjuntura de junho, discutindo o desempenho da economia brasileira, o trabalho autônomo na Região Metropolitana de Porto Alegre e outros temas importantes para entender o cenário nacional e regional.
Crise atual da economia brasileira: recuperação lenta e incerta
O PIB brasileiro cresceu 1% no primeiro trimestre do ano, impulsionado pelo bom resultado da safra agrícola e o nível levemente mais elevado da produção da indústria, o que interrompeu uma sequência de oito trimestres consecutivos de quedas. Esse dado positivo levanta a questão sobre uma possível recuperação da economia brasileira. Para a economista da FEE, Cecília Hoff, é prematura a interpretação de que o País começa a sair da crise. “Segundo o critério que se convencionou utilizar na mensuração de ciclos, uma recessão se encerra após dois trimestres consecutivos de crescimento. E os resultados do segundo trimestre, embora incipientes, ainda não garantem a hipótese de continuidade da recuperação”, pontua.
A partir de 2015, a economia brasileira entrou numa espiral contracionista, cujo resultado foi uma queda acumulada do PIB de 7,2% em dois anos. Na recessão atual, assim como nas demais crises recentes com exceção da recessão que teve início no último trimestre de 2008, o governo brasileiro se viu impelido a adotar políticas fiscais e monetárias contracionistas, apesar de seus efeitos no aprofundamento do quadro recessivo, seja para reduzir o endividamento público, seja para controlar a inflação. No entanto, Cecília explica por que a dinâmica da crise atual é diferente. “Nas crises anteriores, havia espaço para aumentar o superávit primário pela ampliação das receitas fiscais, o que permitiu uma consolidação fiscal relativamente rápida. Na crise atual, o ajuste se concentra no corte de gastos, o que implica não apenas que se estenderá por mais tempo, como que possivelmente será ainda mais contracionista”. A pesquisadora acrescenta que, no que diz respeito à política monetária, a recessão atual atingiu as famílias e empresas após um longo ciclo de ampliação do endividamento. “Após um ciclo de crescimento que envolveu certa euforia, e da frustração representada pela queda não prevista no nível de renda, os consumidores e as empresas acabam adotando posições defensivas, mesmo em face de uma maior oferta de crédito”.
Outra razão para Cecília Hoff considerar lenta e incerta a recuperação da economia brasileira é a profundidade da crise atual, que também cobra o seu preço na perda de capacidade produtiva da economia, seja pela falência de empresas, seja pela exposição do estoque de capital e da força de trabalho a um período prolongado de subutilização. Além disso, elementos externos também dificultam a recuperação, como a crise econômica mundial e principalmente a crise político-institucional. Em relação à crise mundial, a pesquisadora aponta que, apesar recuperação da economia norte-americana, a crise econômica mundial não foi superada. “Esse fenômeno pode ser compreendido em função das expectativas reduzidas de crescimento para o PIB e para o comércio mundial, quanto pela volatilidade dos mercados financeiros”. Cecília avalia que a crise político-institucional contribui para ampliar o quadro de incertezas, adiando decisões. Por isso entende que, “em contraste com as oscilações cíclicas do período recente, a crise atual não somente é a mais profunda, como também é a que apresenta a recuperação mais lenta e incerta. Vem ganhando, por isso mesmo, contornos de uma depressão”.
Trabalho autônomo: alternativa consistente para superar o desemprego?
A economista da FEE Iracema Castelo Branco analisa o que efetivamente o trabalho autônomo, como forma de empreendedorismo, oferece como opção à falta de oportunidades em um mercado de trabalho marcado pelo aumento de 81,4% do desemprego nos últimos dois anos na Região Metropolitana de Porto Alegre. “Pode ser uma alternativa imediata de renda para quem perdeu o emprego, mas não é uma perspectiva para superar a deterioração do mercado de trabalho”, afirma a pesquisadora.
Conforme os dados obtidos pela Pesquisa de Emprego e Desemprego na Região Metropolitana de Porto Alegre (PED-RMPA), o segundo semestre de 2016 marca a tendência de crescimento na ocupação autônoma, com aumento de 30 mil pessoas nessa ocupação, uma elevação de 13,6% em relação ao segundo semestre de 2015, com 76,1% desses trabalhadores prestando serviço para o público (190 mil ocupados) e 23,9% de trabalhadores atuando para empresas (60 mil ocupados). Segundo Iracema, “na literatura, esse fenômeno é chamado de ‘pejotização’ e caracteriza a terceirização, pois apresenta características de trabalho assalariado sem incidir nos custos trabalhistas”.
Os trabalhadores autônomos possuem um rendimento médio real inferior ao dos assalariados, e a queda nos ganhos foi mais intensa do que a redução dos salários, nestes últimos dois anos de crise. “Entre 2014 e 2016, a redução do rendimento médio real foi de 20,5% para os autônomos e 14,9% para os assalariados”, destaca Iracema. Analisando por categoria, os autônomos que atendem ao público auferem, em média, 26,8% menos do que aqueles que trabalham para empresas. Em síntese, destaca Iracema, “a inserção ocupacional do trabalhador autônomo se dá em uma condição de maior precariedade comparativamente ao assalariado. Diante disso, uma alternativa que considere a superação do desemprego através do trabalho autônomo estará ampliando a precarização do mercado de trabalho”.
Confira também os outros textos lançados pela Carta de junho:
Balanço dos 5 anos do Cadastro Ambiental Rural – Mariana Lisboa Pessoa
A importância do monitoramento do cenário global para o RS – Robson Valdez
Repensar a política depois da Lava Jato – Augusto Neftali de Oliveira
Excesso de peso, diabetes e hipertensão crescem no Brasil entre 2006 e 2016 – Marilene Dias Bandeira
Banco Central: os limites e os alcances da política monetária – Bruno Paim
Atividade leiteira no RS: produção em queda e preços elevados – Carolina Agranonik
Gisele Reginato – Jornalista