Apresentação

As últimas três décadas caracterizaram, do ponto de vista histórico, um momento rico em transformações e mudanças estruturais, que afetaram, de maneira inexorável, os vários ambientes regionais, inseridos nos mais recônditos ou visíveis espaços, dentro do que se pode designar como economia mundial. Nesse âmbito, e de forma absolutamente genérica, poder-se-ia, dentre outras denominações, qualificar o referido período como acentuadamente marcado pelo fenômeno da globalização. Nele, a abertura aos desafios externos é estimulada, a flexibilização das ideias e dos mercados é rotulada como novidade, e a fuga para a terceirização é entendida como resposta à modernidade. Nesse ambiente, marcado pela incessante busca da novidade, a Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser (FEE) propõe-se a lançar o Três Décadas de Economia Gaúcha. Este estudo constitui uma reflexão sobre as mudanças consubstanciadas nos tempos modernos, que vão de 1980 a 2010, as quais transformaram, irreversivelmente, a matriz produtiva da economia gaúcha e a da economia brasileira e a relação entre ambas.

Porém, e de forma aparentemente anacrônica, a Instituição optou por buscar a compreensão dessa nova realidade através da aglutinação do conhecimento acumulado pelos seus pesquisadores. Para tanto, reorientou suas pesquisas, no sentido de responder, nos textos aqui reunidos, a três questões fundamentais e interconectadas: quais foram as principais mudanças percebidas em seus respectivos campos analíticos; como elas se processaram ao longo destas três últimas décadas; e em que medida afetaram o respectivo espaço analítico dentro da economia gaúcha. Ou seja, a FEE procurou reunir esforços analíticos e interpretativos acumulados na Instituição, buscando respostas a essas três questões dentro das respectivas linhas de pesquisa em andamento.

O anacronismo sugerido é apenas aparente, na medida em que, ao contrário do que se poderia supor — principalmente em tempos de veneração ao que é externo —, todo o esforço analítico e intelectual materializado nos quatro volumes que compõem esta obra é oriundo de uma reflexão eminentemente endógena, interna à FEE. Mais ainda, essa reflexão é orientada pela incessante busca de interpretação da (nova) realidade regional, a partir dos avanços nas várias linhas de pesquisa em desenvolvimento na Instituição.

É, portanto, um trabalho de natureza genuinamente feeana. Seu objetivo é tratar da complexidade das mudanças em curso, que se originaram e floresceram, de forma vigorosa e acelerada, nas últimas três décadas, sob a ótica interpretativa da FEE. Dito de outra forma, este estudo é fruto de um projeto pensado, concebido, discutido, elaborado, escrito, rediscutido, revisado e diagramado pelo corpo de pesquisadores e técnicos da Instituição. Agradece-se a todos que participaram dessa construção coletiva.

Este estudo tem uma hipótese, quatro objetivos e uma conclusão, ou, atenuando, uma recomendação. A hipótese central que norteia todos os artigos aqui publicados, de maneira mais ou menos explícita, é que o espaço regional, designado genericamente de economia gaúcha, constitui um ambiente complexo, interativo e dinâmico, cujas transformações estruturais levadas a efeito nas décadas de 80 e 90 e no primeiro decênio deste século foram decisivas para desenhar novos perfis produtivo, tecnológico, social e institucional. Mais ainda, tais mutações realizaram-se de forma concomitante com as mudanças estruturais no ambiente econômico nacional e no mundial, as quais, por sua vez, também definiram particularidades idiossincráticas no ambiente regional, dentro das novas conformações tecnológica, institucional e social. Do ponto de vista teórico, assume-se que a forma de se compreender essas mudanças passa por reinterpretações oriundas da reformulação e/ou dos avanços da própria teoria econômica.

O objetivo primeiro deste estudo é tratar de como questões complexas e genéricas afetaram a dinâmica e a natureza da própria economia gaúcha tomada como um todo. Assim, procura-se examinar questões relacionadas à transformação da realidade gaúcha, tais como a discussão das principais mudanças estruturais em curso, a questão da formação social e territorial e a identidade regional, as formas de gestão estatal, as diferenciações regionais e sua teorização e a influência do capital financeiro. Todos esses aspectos interagiram com o ambiente regional do RS. O elenco de artigos que tratam dessa temática constitui o Volume I deste trabalho, apresentado sob a designação de O ambiente regional.

O objetivo segundo é tratar de como os fatores acima mencionados afetaram o espaço produtivo regional e que desdobramentos geraram. Discutem-se, assim, nas três décadas em questão, a evolução do PIB, os desafios da indústria gaúcha nesse ambiente de mutação, o papel do agronegócio e da agricultura familiar, o comportamento das exportações e do investimento direto no exterior e aspectos gerais do desempenho da ação estatal, em suas várias dimensões, tais como a avaliação das finanças públicas regionais no respectivo período, a burocracia, a infraestrutura e os desafios da matriz energética. Os artigos reunidos sob essa temática compõem o Volume II deste trabalho, intitulado O movimento da produção.

O objetivo terceiro é tratar da forma através da qual as profundas mudanças ocorridas ao longo das três últimas décadas refletiram-se sobre a sociedade gaúcha. Para tanto, são discutidas as tendências demográficas e as mudanças nos principais indicadores demográficos do Rio Grande do Sul, as mudanças estruturais no mercado de trabalho, bem como a precarização de suas respectivas relações, as mudanças no mercado formal de trabalho e as negociações coletivas, o papel e as novas formas de ação política das associações empresariais, os processos de urbanização no Rio Grande do Sul, a relação Estado e meio ambiente do ponto de vista institucional e os objetivos do milênio dentro da agenda social mundial. Esses temas foram desenvolvidos em artigos abrigados no Volume III, que, genericamente, foram agrupados sob a designação de A evolução social.

O objetivo quarto do Três Décadas de Economia Gaúcha é apresentar ao leitor não apenas séries estatísticas relacionadas aos temas tratados, agrupadas em variáveis agregadas (como evolução do PIB, aspectos demográficos, finanças públicas, indicadores sociais e dados setoriais), mas fornecer, através de gráficos e mapas, a evolução, ao longo das últimas três décadas, das principais informações estatísticas sobre a economia gaúcha. A idéia do volume é instrumentalizar o leitor com dados e séries inéditos, que permitam formular novas hipóteses sobre o comportamento agregado da economia gaúcha. Não há, nesse volume, uma só tabela, mas apresentam-se gráficos, cuja fonte das estatísticas está disponibilizada no site da FEE. Ao Volume IV, atribuiu-se o nome de Um panorama gráfico.

Através dessa avaliação das três últimas décadas da economia gaúcha, conclui-se que, face à magnitude, à riqueza conceitual e à complexidade das transformações em curso nos vários âmbitos da economia, as mesmas só podem ser compreendidas em um ambiente analítico que contemple a diversidade, os vários matizes interpretativos e enfoques teóricos. Esses elementos devem ser capazes de dar conta das especificidades, sem desconsiderar o movimento global. As conclusões parciais explicitadas nos diversos textos dessa obra dialogam e não invalidam sua interação com o ambiente mais geral em que a economia gaúcha está subsumida. Vale dizer-se, as mudanças regionais não podem, por definição, ser tratadas de maneira desconectada às formas de sua inserção nos marcos analíticos da economia brasileira e do ambiente mundial. Se assim não se procedesse, correr-se-ia o sério risco da cegueira teórica, oriunda da renúncia à busca do conhecimento, que incapacitaria os analistas de perceber, pela subestimação das potencialidades das janelas de oportunidade que ora se desvendam, os desafios frente à nossa própria trajetória histórica.

Nesse sentido, a FEE, através deste trabalho, cumpre, mais uma vez, seu papel de fornecer interpretações que possam ajudar a compreender os grandes movimentos que afetam a trajetória da economia gaúcha. Ao tentar, analítica e teoricamente, dar conta das potencialidades e dos limites da mesma e suscitar elementos que permitam estabelecer, simultaneamente, os cânones a uma política pública de longo prazo, face aos desafios do presente, considera-se que a Instituição congrega-se na busca por novos, melhores e mais avançados caminhos para o Rio Grande do Sul. Só assim, poderão ser ultrapassados os limites dados pela incompreensão das questões de longo prazo da economia.

Octavio A. C. Conceição
Diretor Técnico da FEE

Agradecimentos

Este estudo foi coordenado pela equipe dirigida por Octavio A. C. Conceição, da qual fizeram parte Marinês Zandavali Grando, Sônia Unikowsky Teruchkin e Luiz A. E. Faria. A consecução deste trabalho contou com um grande número de reuniões, seminários e debates realizados no âmbito da FEE. Foi de grande valia o ciclo de palestras A Economia Gaúcha e os Desafios ao Desenvolvimento, iniciado em 2007, que incluiu pesquisadores de dentro e de fora da FEE, acadêmicos e autoridades governamentais, viabilizando, assim, um grande elenco de contribuições extremamente valiosas para o desenvolvimento do estudo. Seus primeiros contornos começaram a tomar forma a partir dessas discussões. Os organizadores agradecem as contribuições externas de colegas, colaboradores e amigos da FEE, que não se furtaram em participar do referido ciclo, e, particularmente, as participações de Aod Cunha de Moraes Júnior, então Secretário da Fazenda do Estado do RS, de João Carlos Brum Torres e de Claudio Francisco Accurso, ambos ex-Secretários de Planejamento de Estado do RS, e dos Professores Pedro Dutra Fonseca, Leonardo Monastério e Pedro Silveira Bandeira. Agradecem, também, a todos os colegas da FEE que contribuíram com palestras e debates sobre seus temas de pesquisa nos vários encontros que se sucederam. É importante destacar-se a colaboração de Claudio Francisco Accurso, Pedro Silveira Bandeira e Achyles Barcelos da Costa, que, além de subsidiarem com relevantes comentários e sugestões incorporadas na fase de concepção e elaboração do projeto de pesquisa, foram os leitores e pareceristas de grande parte dos artigos que compõem esta obra.

Os organizadores